July 2, 2012 Racionalização Yi-Fu Tuan
Nós gostamos de pensar em nós mesmos enquanto animais racionais, o que não é dizer muito, uma vez que todos os animais são racionais; melhor dizendo, todos os animais usam sua inteligência para atingir um fim racional, em específico, a sobrevivência. Nós, humanos, embora também nos esforcemos para sobreviver, temos outros fins racionais em mente, em especial, a aquisição de saber e a melhoria da sociedade. Nos últimos dois ou três séculos, muito foi alcançado na aquisição de conhecimento, mas a melhoria da sociedade ficou para trás e é certamente menos progressiva. Por quê? A resposta é que nós, seres humanos, ao contrário de outros animais, não só raciocinamos, mas também racionalizamos, e que nós racionalizamos muito mais na esfera social do que na esfera da aprendizagem. Como é que surge essa forte tendência para racionalizar na esfera social? Em um nível pessoal e individual, sou compelido a fazê-lo porque preciso manter uma imagem de mim mesmo que tenha a aprovação da comunidade. Vamos dizer que eu assedie moralmente meus alunos. Ao invés de reconhecer o fato, o que minha inteligência é plenamente competente para fazer, eu a uso tanto para construir uma barreira em torno dessa atividade ou para me convencer de que isso não seja realmente um assédio, mas apenas uma forma de pedagogia que emprega a rudeza. Para dar outro exemplo, digamos que eu seja preguiçoso, uma atitude que sei contar com a desaprovação da sociedade. Para manter uma boa imagem de mim tanto para meus próprios olhos quanto para o julgamento da sociedade como um todo, eu coloco a culpa de minha preguiça na incapacidade da escola em me prover de estímulo e inspiração. A culpa é enunciada em "razões", mas estas são de fato racionalizações que não resistem ao exame crítico. Se o indivíduo é fortemente tentado a racionalizar em defesa de sua auto-imagem, mais ainda serão os valores do grupo, que demanda uma auto-imagem de distinção e superioridade, de modo a ligar os seus membros. Desafortunadamente, tal fabricação da imagem e o seu propósito de ligar os membros do grupo é muito freqüentemente atingida pela utilização de fatos duvidosos e de argumentos falaciosos, às custas de outro grupo - os que estão de fora. O resultado, seja no nível do individual ou do grupo, é o antagonismo e o conflito, os quais podem ser extremamente difíceis de erradicar, uma vez que estão enraizados numa história de racionalizações. Como alguém sabiamente disse: "Aquilo que não tenha sido raciocinado dentro não pode ser raciocinado para fora." Estas são generalidades. Vamos tomar um caso mais concreto. Nos últimos sessenta anos, os estadunidenses começaram a se dar conta da asquerosa injustiça que é a discriminação racial, e particularmente da discriminação contra os negros, cujos antepassados, em boa parte, chegaram como escravos. Para obter a igualdade para os negros, uma série de direitos políticos básicos – o direito ao voto, de candidatura, de eleger delegados – foram legislados e feitos cumprir de maneiras variadas. Nisto, o front político tem tido um sucesso comensurável. A razão foi aplicada para corrigir um erro perverso e provou ser eficaz. Infelizmente, a igualdade social entre brancos e negros ainda é elusiva. Sem dúvida muitos fatores entram em jogo na manutenção deste erro. Um dos que não tem sido explorado, ao meu conhecimento, é a racionalização. Tanto os liberais brancos quanto os líderes políticos negros racionalizam em vez de utilizar a razão quando colocam, quase que inteiramente, a culpa pela desigualdade social – a falta de respeito para com os Afro-americanos –no preconceito dos brancos. Mas, se o preconceito dos brancos é tão disseminado e profundo, como o ganho político dos Africo-americanos foi possível? De fato, ironicamente, o ganho político pode ter retardado a realização da igualdade social. Por quê? Se a rota política foi tão bem-sucedida, por que tentar outra? Que outras rotas eu tenho em mente? Vamos deixar a minha resposta assumir a forma de um cenário de sonho. Suponha que os negros, a partir do final da Guerra Civil em diante, usassem seus limitados recursos não na política, mas na educação. Cento e cinquenta anos depois, não seria possível que as melhores escolas, os melhores professores do ensino básico e do ensino superior e os cientistas fossem predominantemente Afro-Americanos? E não poderiam então, os Afro-americanos, como um povo, desfrutar de um status social que os governadores e os representantes negros no Congresso, os CEOs corporativos e mesmo um presidente negro tem sido incapazes de conceder? Outra vantagem deste cenário de sonho seria o seguinte. Se os Afro-Americanos fossem líderes na educação, se eles fizessem da realização intelectual um objetivo principal, então todos os estadunidenses, independentemente da sua etnicidade – Americanos-nativos, Mexicanos ou Hmong – iriam querer seguir o exemplo. Certamente os brancos não iriam querer ficar para trás numa área em que ser bom em ciência e nerd os tornasse "negros" e, portanto, inaceitáveis para os seus colegas brancos. É triste dizer, mas o cenário atual é o oposto do cenário de sonho. No cenário atual, os líderes negros, com o incentivo de brancos bem-intencionados, optaram pela rota política. O resultado de seus esforços é menor do que se poderia esperar face ao imenso dispêndio de recursos: os negros, com todos os seus ganhos políticos e econômicos, ainda não têm o firme sentimento de auto-estima que reside no cerne da igualdade e, portanto, no cerne do bem-estar. Além disso, não é apenas ineficaz se recorrer à política como a cura para as injustiças sociais e racial fundamentais, mas, arrisca-se a trazer o ideológico, a inclinação racionalizadora da política, para dentro de outras áreas de valioso empreendimento, como as artes, as ciências e a aprendizagem em geral. Até agora, nos Estados Unidos, as ciências físicas têm estado amplamente livres da contaminação política. Portanto, o seu progresso, contínua notável. Mas, quem sabe por quanto tempo? Nós, seres humanos somos, por vezes, aconselhados a imitar animais. Eu sou cético em relação a este conselho, mas talvez uma qualidade animal devesse merecer a nossa imitação: os animais não racionalizam. Yi-Fu Tuan
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